Nos posts anteriores abordamos estudos sobre mindfulness e compaixão realizados, predominantemente, com métodos quantitativos.
Este post trata de um artigo publicado em 2013, há 10 anos, mas ainda atual e relevante, principalmente por conta de sua proposta metodológica e objeto de estudo, ainda pouco explorados.
Os autores utilizaram métodos mistos no desenvolvimento da pesquisa, ou seja, utilizaram uma combinação de métodos qualitativos e quantitativos considerando que a interação entre eles fornece melhores possibilidades analíticas, de avaliações que considerem não apenas os problemas, mas também sua relação com o conjunto/contexto.
Nele, discorrem sobre uma diversidade de compreensões acerca da autoconsciência, desde a tradição budista até estudos filosóficos e neurocognitivos contemporâneos.
Apontam que a prática de meditação budista de longo prazo, compreendida na tradição budista, visa o desenvolvimento de um modo de consciência "altruísta" (SL), onde a identificação com o sentido estático do eu é substituída pela identificação com o fenômeno de experimentar a si mesmo.
Já os estudos filosóficos e neurocognitivos contemporâneos dissociam dois tipos distintos de autoconsciência: uma autoconsciência "narrativa" (NS) que constitui a memória episódica, o planejamento futuro e a autoavaliação na autonarrativa e identidade coerentes; e uma autoconsciência “mínima” (MS) focada na experiência momentânea presente e intimamente ligada ao senso de agência (experiência consciente de gerar efeitos no mundo exterior através das próprias ações) e propriedade.
Os mecanismos de mediação de NS têm sido explorados por neuroimagem, principalmente pela ressonância magnética funcional (fMRI), mas os processos de MS não são bem caracterizados e SL ainda menos.
O estudo teve como objetivo e hipóteses, portanto:
- Mapear os correlatos neurais de NS (ponte entre achados fMRI e Magnetoencefalograma – MEG – // atenuação de NS)
- Mapear os correlatos neurais de MS (atenuação de MS)
- Utilizar métodos em primeira pessoa (autorrelatos dos participantes)
e identificar os correlatos neurais de SL.
Para este fim, o estudo testou 12 meditadores de mindfulness de longo prazo, com média de 16,5 anos de prática meditativa semelhantes a Vipassana, originárias ou inspiradas na tradição budista Theravada.
Utilizaram um desenho de estudo neurofenomenológico (o tal do método misto), ou seja, incorporando gravações de magnetoencefalograma (MEG) e descrições em primeira pessoa(autorrelato).
O experimento incluiu sete sessões, sendo que cada uma delas consistia na realização de tarefas guiadas por instruções dos pesquisadores durante as quais a atividade cerebral do participante era registrada. As instruções fornecidas para a tarefa tinham como base a reflexão acerca da autoconsciência nas três formas supracitadas: NS, MS e SL. Imediatamente após as tarefas, os participantes realizaram relatos retrospectivos sobre o desempenho nas tarefas (sucesso, estabilidade e conteúdo emocional), bem como relatos introspectivos com descrições acerca da experiência (experiência SL), com o mínimo de julgamento e/ou reflexão possível.
Como resultados gerais foram observadas a atenuação de NS (MEG corroborando os achados anteriores em fMRI) e de MS, bem como a identificação de correlatos neurais de SL (corroborado pelo autorrelato dos participantes).
Em outras palavras, o foco dos resultados, de maneira geral, está em corroborar a ideia de que a prática de mindfulness de longo prazo pode atenuar a autoconsciência "narrativa” (refletindo na redução de emoções negativas e mistas) e a autoconsciência “mínima” (especialmente relacionada ao senso da experiência momentânea presente intimamente ligada ao senso de agência e propriedade). Dessa forma, o estudo reforça que a prática de mindfulness de longo prazo, abordando a autoexperiência por meio de um foco mais centrado no presente, pode ser crucial para o bem-estar humano.
O estudo ilustrou, dessa forma, a utilidade de combinar autorrelatos (primeira pessoa), neuroimagem (terceira pessoa) e treinamento mental inspirado no budismo para caracterizar cientificamente o altruísmo.
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Referências
DOR-ZIDERMAN, Yair et al. Mindfulness-induced selflessness: a MEG neurophenomenological study. Frontiers in human neuroscience, v. 7, p. 582, 2013.
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