Nessa vida aprendi e aprendo muito. Abençoada com dificuldades e, por algum motivo, muito auxílio. Eu saí do Brasil aos 26 anos, mas pensava como uma adolescente que tudo sabe. Eventualmente percebi que na verdade eu não era tão grande como imaginava. Casei-me no Reino Unido com alguém que me ensinou que minhas visões não eram únicas. Assim, dividindo minha vida com quem se esforça para entender a minha a língua (e eu a dele), engravidei. Lembro que chorei pelo meu bebê nascer sem ninguém para se divertir no futuro. As únicas primas moravam no Brasil. Mal sabia o tão pouco que eu sabia. Contemplada com trigêmeas, minhas filhas se divertiram muito entre si e me ensinaram o valor da maternidade. Aprendi a meditar e transcender “eu, meu”. Aprendi a AMAR.
Passados 25 anos, eu sinto que essa trilha percorrida com a maternidade múltipla, em um país cuja cultura difere de onde nasci, se inspira nos esforços do caminho Bodhisatva. Segundo Kamalaśīla (uma autoridade em textos tibetanos; 740-795 DC), “um Bodhisatva é alguém que movido por compaixão, dedica-se a libertar todos os seres do sofrimento. Superando sua visão egocêntrica, se engaja ansiosa e continuamente nas práticas de meditação para acumular mérito e discernimento” (1). Libertar o outro só é possível, no entanto, libertando-se a si mesmo (Lama Shenpen Hookam).
No Budismo Mahāyāna, a Compaixão/Autocompaixão (karuṇā em sânscrito), somada à Sabedoria do Despertar, são os dois elementos essenciais para o caminho Bodhisatva. Um dos textos mais importantes do Budismo Mahāyāna é o famoso “Um Guia para o Modo de Vida do Bodhisattva” (2). Foi escrito em 700 DC em verso Sânscrito por Shantideva, um monge budista da Universidade Monástica de Nālandā na Índia (3). O trecho sobre a meditação karuṇā pode auxiliar a entendermos melhor a importância da compaixão no caminho Bodhisatva de acordo com o Budismo Mahāyāna:
“Em primeiro lugar, esforce-se para meditar sobre a igualdade de si mesmo e dos outros. Na alegria e na tristeza todos são iguais; assim, seja guardião de todos, como de si mesmo. A mão e outros membros são muitos e distintos, mas todos são um: o corpo. O corpo deve ser mantido e protegido. Da mesma forma, diferentes seres, em suas alegrias e tristezas, são, como eu, todos iguais em querer a felicidade. Essa minha dor não aflige ou causa desconforto ao corpo de outra pessoa e, no entanto, é difícil para mim suportar essa dor porque me apego e a tomo como minha. E a dor dos outros seres eu não sinto e, no entanto, porque os tomo para mim, seu sofrimento é meu e, portanto, difícil de suportar. E, dessa forma, vou dissipar a dor dos outros, pois é simplesmente dor, assim como a minha. E aos outros ajudarei e beneficiarei, pois são seres vivos, como meu corpo. Visto que eu e os outros seres, ao desejar a felicidade, somos iguais e semelhantes, que diferença há para nos distinguir, para que me esforçar para ter minha felicidade sozinho?"
Assim, enquanto no Budismo Theravada, juntamente com a Bondade Amorosa, a Alegria Empática e a Equanimidade, a Compaixão faz parte das quatro qualidades incomensuráveis. No Budismo Mahāyāna a Compaixão é essencial ao praticante (Bodhisatva). A Compaixão e a Sabedoria do Despertar são como as duas asas de um pássaro, que depende de ambas para voar. A Compaixão transcende o limite entre o eu e o outro, cultivando o verdadeiro coração, assim como o meu amor de mãe...
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Quem é Ana Cristina Atanes?
Ana Cristina Atanes pertence a Awakened Heart Sangha no Reino Unido. Aluna da Lama Shenpen Hookham nos ensinamentos Mahamudra e Dzogchen do Budismo Tibetano. Em sua comunidade budista recebeu o nome Drolkar (o nome indica Tara Branca da Paz). Cris, como é conhecida no Brasil, é professora online pelo Instituto Plenativamente nos cursos de Prevenção de Mindfulness para Reatividade (MBRP) e Viver Compassivo Baseado em Mindfulness (MBCL). Iniciou seu treinamento em Mindfulness com a instituição Britânica Breathworks (Mindfulness e Compaixão para a Saúde e Mindfulness para o Estresse). Trabalha online com aconselhamento terapêutico integral e oferece práticas baseadas em Mindfulness; registrada pela British Association of Counselling and Psychotherapy (BACP). Doutorado em Saúde e Assistência Social pela Bangor University (Departamento de Health and Social Care Sciences); Mestrado em Saúde Coletiva pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP; Departamento de Saúde Preventiva). Atualmente pertence ao programa de pós-doutorado da UNIFESP no Departamento de Psicobiologia, junto ao Grupo de Trabalho de Mindfulness.
Referências
1. Stages of Meditation (2013). The Dalai Lama, Root Text by Kamalashila. Snow Lion Publications. Page 42-43
2. The Way of the Bodhisattva (1997). Shantideva. Shambhala Publications. Page 122-123
3. Śāntideva (1998). Translator's Note: The Bodhicaryāvatāra. Oxford University Press. p. xxviii.
Agradecimentos: Wikipedia the free encyclopaedia articles (Karuṇā; Kamalaśīl; Bodhisattvacaryāvatāra).
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