Cultivando Gentileza em Mindfulness
Neste post, Mayra Machado convida a refletir sobre o que está por trás da autocrítica e o valor da gentileza, e nos dá algumas dicas simples de como podemos cultivar essa atitude em nossas vidas.
Uma das atitudes que cultivamos logo que começamos a praticar mindfulness é a gentileza, e por mais simples que possa parecer, vejo que os participantes dos grupos possuem muita dificuldade em compreender e desenvolver essa atitude.
Não é à toa. Nossa cultura é bastante crítica e, claro, autocrítica também. Estamos sempre identificando erros, apontando defeitos, às vezes até esperando mínimos deslizes. Podemos encontrar dificuldade até na hora de receber elogios: uma parte fica feliz e orgulhosa, mas uma parte até rebate o elogio ou acha que as outras pessoas estão apenas sendo “boazinhas” mas não sabem que “no fundo sou um poço de defeitos que não merece esse elogio”.Quantas vezes conseguimos relaxar e confiar que algo está suficientemente bom? Que demos o melhor que pudemos?
O mais curioso é que vejo que isso é especialmente verdadeiro nas pessoas mais dedicadas, mais responsáveis e cuidadosas que encontro. Que realmente se entregam para aquilo que se propõem a fazer.
E se pararmos para pensar, tem um certo valor nisso. Acreditamos que ter esse pensamento autocrítico permite que estejamos constantemente nos avaliando, e vendo onde podemos melhorar. Acreditamos que só assim poderemos mudar nossos defeitos. Acreditamos que, ao reconhecer que não sendo bom o suficiente, estamos em constante movimento buscando alcançar o melhor. E transferimos isso para o outro também, ou por acreditar que apontando isso no outro estamos fazendo nossa parte para ajudar, ou querendo um parâmetro de comparação deixando nosso ego um pouquinho mais “feliz”.
Acreditamos nisso, mas na verdade não é bem assim que funciona. O problema é: o quanto ser assim mina nossa felicidade? Nossa paz, equilíbrio e bem-estar? Se nunca estamos satisfeitos com a gente, se estamos sempre apontando nossos defeitos, como se sentir inteiro? E mais ainda, como se sentir conectado conosco, já que ao olhar para dentro encontramos esse “poço de defeitos”? Veja no seu corpo, ele te dá a dica do que alimentar crítica e autocrítica traz. Como ele fica quando julga dessa forma? Tensão? Contração? Aperto? E que emoções aparecem? Culpa? Sensação de frustração e fracasso? Raiva?
Na verdade, eu gosto muito de diferenciar discernimento de julgamento. É discernimento que nos permite essa análise clara da situação, como ela é de fato, identificando aspectos que poderiam ser melhores, quais mudanças precisam ser feitas. É distanciado de valores morais e cargas emocionais que o julgamento traz, e que funcionam como um “filtro” que impedem que possamos ver com a clareza necessária (veja bem: distanciado. Não significa que não está lá, só não está “colado” na gente).
Uma vez que entendemos que podemos discernir ao invés de julgar, podemos desapegar da ideia de que ao ser tão duro com nós mesmos e os outros estamos fazendo nossa parte para nos tornar seres humanos melhores. E assim, começamos a dar espaço para a gentileza. Começamos.
Cultivar a gentileza envolve muitas coisas além disso. Envolve reconhecer julgamentos e aprender a soltar deles. E para isso, precisamos estar abertos e disponíveis para o momento presente, a cada instante. Envolve paciência ao reconhecer que vamos errar muitas e muitas vezes, e vamos cair nos velhos hábitos que tanto aprendemos ao longo de nossas vidas. Envolve confiançade que esse é um caminho que faz sentido, mesmo que estranho e algo a ser ainda desbravado. Envolve reconhecer nossa humanidade imperfeita que todos compartilhamos, e acolher isso com muito amor. Aliás, envolve amor e generosidade também, ingredientes essenciais. Ou seja, envolve mindfulness.
Mas vamos por partes. Para entender de forma simples como começamos a cultivar gentileza, vou te convidar a fazer dois exercícios.
O primeiro, fique atento ao que passa na sua mente, e lembre, seu corpo dá dicas. Então, toda vez que notar que um julgamento está presente apenas solte (como se soltasse um balão de gás hélio que simplesmente vai embora no vento). Não se prenda nele. Parece pequeno, mas esse exercício já é difícil o bastante. E se quiser avançar um pouquinho, experimente incluir o próximo exercício.
O segundo exercício é um pouquinho mais complexo. Primeiro vou explicar a ideia que “fundamenta”, e depois o exercício em si. Para começar, observe o que te de desperta um senso de carinho e alegria. Sabe uma boa dica para isso, quase infalível? Lembre de um animalzinho ou um bebê. O que essa lembrança desperta em você? Veja na foto desse post. Sinta no seu corpo. E você sabe que esse animalzinho ou bebê ainda vão errar, tem defeitos, e tem muito a crescer e aprender. Mas você sabe que faz parte, e por mais que fique bravo ou se entristeça com isso, ainda assim você deseja o melhor possível, e faz tudo que pode para cuidar e dar carinho. Se uma criança bate o dedinho do pé numa cadeira, por exemplo, imediatamente somos tomados por um impulso de acolher e cuidar. Mas se somos nós mesmos, brigamos e xingamos. Será que conseguimos cultivar esse mesmo senso de carinho, abertura, compreensão e cuidado com a gente?
Então, eleja uma ação que represente esse senso como por exemplo: um sutil aperto de mão ou mesmo um leve carinho na sua mão, um autoabraço, um toque na região do coração, uma frase na mente carinhosa como “solta, está tudo bem!”... As possibilidades são imensas, encontre a que faça sentido para você. E então, toda vez que notar autocrítica, experimente fazer essa ação, realmente carregando com essa intenção. Experimente pelo menos se direcionar o mesmo olhar afetuoso e compreensivo com que direcionaria para a criança ou cachorrinho, mesmo que também tenha raiva ou impaciência (sim, esses sentimentos podem coexistir).
E principalmente, não tenha medo de começar a cultivar gentileza por você mesmo. Uma outra ideia errônea em nossa cultura é que, ao fazer isso, estamos sendo egoístas/individualistas. Mas, na verdade, é exatamente o oposto: partindo desse lugar de compreensão e afeto, desenvolvemos um ambiente seguro para também fazer o mesmo com o outro. É desse lugar que realmente nasce a compreensão e conexão entre as pessoas, de maneira sustentável a longo prazo.
Experimente, se abra para isso, e com bastante curiosidade, veja o que acontece!