Série "Pílulas de Atenção Plena"
Nesta segunda postagem sobre o tema vamos refletir sobre a importância de reconhecer as sensações da tranquilidade quando estão presentes e como isso ajuda a desenvolver maior calma e paz em nossas vidas.
Você pode ler a primeira postagem sobre esse tema clicando aqui.
Na postagem anterior falamos sobre dois pontos fundamentais para ter mais calma e tranquilidade em sua vida: um deles é a permissão que você dá para isso, e o segundo é a consciência que tem quando isso está presente.
Discutimos como nossa cultura urbana reforça alguns hábitos e condicionamentos da mente de cobrança, de resolução de problemas, de ter que fazer o tempo todo e ser multitarefa, até mesmo de perfeccionismo. E o quanto esse condicionamento impacta nas sensações do corpo e nas emoções minando nossa qualidade de vida e bem-estar, além de tirar o espaço para sentir calma e tranquilidade. Explicando melhor, diminuindo nossa disponibilidade interna para sentir e cultivar tranquilidade em nossas vidas.
Mas ok, esse foi o assunto da primeira postagem e você pode aprofundar essa reflexão clicando aqui.
O que eu gostaria de trabalhar com você agora é sobre o processo de sentir a calma e tranquilidade quando estão presentes. E por que não, saborear?
Já falei algumas vezes aqui no blog o quanto ficamos no automático, o quanto ficamos imersos em nossas mentes e pouco tomamos consciência das sensações do nosso corpo, ou mesmo de emoções. E quando isso acontece, só sentimos as sensações ou emoções quando elas são bem mais concretas, bem mais claras e perceptíveis.
Quanto mais no automático você estiver, quanto mais divagação da mente, menos sutilezas e detalhes percebe em sua vida. Isso é ótimo quando se trata de coisas mais difíceis, emoções mais desafiadoras, certo? Hummm, na verdade não é bem assim, mas isso é assunto para outra hora.
O que eu quero te convidar a refletir aqui é que menos também sente sobre as pequenas coisas que trazem bem estar e felicidade, por exemplo, e a tranquilidade acaba entrando em um desses campos mais sutis de percepção. Felizmente – ou infelizmente, rsrs – nossa consciência não é tão hábil e seletiva assim a ponto de conseguir ser bem aberta, captar cada detalhe e saborear cada partezinha boa de algo mais simples em nosso dia a dia, e se fechar para estar mais amortecida para as coisas mais difíceis. E assim nos fechamos como um todo.
Resumindo um pouco, quando estamos no automático e imersos em nossas divagações, preocupados com o fazer o tempo todo, acabamos detectando as emoções mais claras e concretas, mas não tanto as mais sutis. Percebemos claramente uma alegria mais intensa, uma euforia, mas não tanto aquele sorriso gostoso, aquela alegriazinha com as pequenas coisas da vida mas que fazem toda a diferença no “saldo final em nosso dia”. Essas coisas podemos deixar passar desapercebido.
E aqui eu faço uma provocação. Sendo assim, será que nossas buscas por sensações, pelo que nos torna felizes, não está enviesado?
É muito interessante quando fazemos uma prática nos atendimentos chamada escaneamento corporal. Nessa prática convido as pessoas a repousar a atenção em determinadas partes do corpo e se abrir para a sensação que está ali, com curiosidade, permissividade e gentileza. Nas primeiras sessões, a fala mais comum é “não senti nada! Tem algo errado! Não tem sensação aqui!”. Claro, às vezes não tem mesmo. Mas muitas vezes ainda não estamos com nossa percepção refinada, aliado ao véu da expectativa em sentir coisas mais intensas.
Vou dar um exemplo bem simples. Sabe o seu cotovelo? Aquele que só lembra que existe quando bate, quando dói, mas que está aí exercendo uma função mega importante para o braço e as diferentes funções da mão? Se você se permitir, se brincar de explorar com curiosidade refinar sua consciência, pode sentir o contato do ar sobre o cotovelo, da roupa sobre o cotovelo, pode tentar sentir a temperatura que está seu cotovelo.
E aí você pode estar se perguntando: ah mas não é muito mais legal sentir as coisas mais intensas? Não é muito mais chato sentir as coisas sutis? Qual a graça que tem nisso? E mais ainda, e o que isso tem a ver com a tranquilidade?
Sem dúvida que sim! Esses questionamentos eu também escuto bastante, e na verdade a resposta é bem simples: quem disse que ao passar a sentir as coisas mais sutis vai deixar de sentir as mais intensas? Pelo contrário! E partilhando minha experiência, quanto mais treinamos, mais as coisas sutis ganham outra dimensão. Outro significado.
E a tranquilidade, como eu disse, entra nessa mesma dança sutil. No começo dos atendimentos de mindfulness, as pessoas costumam falar que não sentiram nada quando na verdade, ao aprofundar no que surgiu com as práticas de mindfulness percebem que estão tranquilas. Estão calmas. Mas de um jeito mais sutil, e a parte que eu acho mais legal, mais acessível em nossas vidas.
É isso mesmo. Com treinamento, com refinamento apropriado, descobrimos que para encontrar a paz e tranquilidade não precisamos estar “numa ilha deserta paradisíaca com todas as áreas de nossas vidas perfeitamente em ordem”! Claro que isso não faz mal para ninguém, e muito menos desejar isso faz mal! Mas condicionar nossa paz e tranquilidade a isso é tornar cada vez mais distante de nós mesmos.
E esse é um dos motivos que eu disse lá na primeira postagem desse tema que você tem o mesmo potencial para desenvolver um estado de maior calma, paz e tranquilidade que qualquer ser humano. Para isso, algumas escolhas, algumas ações precisam ser feitas.
E eu vou te dar uma ferramenta bem simples para começar: procure dar chance para o refinamento da percepção das sensações. Mais simples. Mais acessíveis. Com o que está aí presente agora. Veja se é possível abrir mão de julgamentos e expectativas e brincar de reconhecer que exatamente essa sensação no cotovelo por exemplo é o suficiente para refinar sua percepção. O aroma de um alimento. Um abraço. Um repousar no sofá mesmo que por um micro instante. Permita sua atenção estar inteiramente presente e aberta para sentir essas pequenas coisas, escolha uma para treinar isso.
E se precisar, estou à disposição, vou adorar ouvir o que aconteceu quando tentou fazer isso, incluindo os desafios!
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